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Multipropriedade imobiliária

02/10/1999
 
Afonso Celso F. Rezende



1 – CONCEITO
Podemos definir multipropriedade como sendo uma situação jurídica peculiar, onde distintos proprietários de um imóvel têm, sobre o mesmo, o direito de fruição somente por um tempo específico, período esse estabelecido quando de sua aquisição, composto por semanas, quinzenas e até meses. À primeira vista, sem maiores perquirições, a importância da multipropriedade imobiliária parece estar restrita às instâncias turísticas, onde a possibilidade econômica de aquisição de um imóvel pelo sistema convencional fica razoavelmente dificultada, devido à sua não-utilização por prolongados espaços de tempo, gastos com manutenção, impostos, taxas, serviçais ou segurança. No entanto, nas cidades onde a característica turismo não vem a se constituir como fonte primordial de divisas, principalmente as de maior porte, começam a optar por tal sistema e conhecidos como Apart-hotel ou Flat Service e Residence Service.

Como é notório, o custo de vida numa sociedade, destacadamente nos grandes centros, é geralmente elevado, fato que tem levado o indivíduo a procurar uma propriedade conjugada com descanso e lazer em outras plagas e alheias à vida agitada que normalmente está acostumado. Por essa razão e pelo custo proporcionalmente não muito acima dos padrões, é que a multipropriedade tem um obtido um resultado prático-econômico de uma operação comercial de êxito.

Esta fórmula original de subdivisão da propriedade – remanescente da França e recente entre nós (anos 80) – tem sido difundida no país como grande oferta turística, fazendo com que a sociedade opte por um regime sociabilizante de uma propriedade imóvel, adequando as normas de convivência às necessidades humanas. A vantagem é puramente econômica, permitindo ao adquirente usufruir de um imóvel para seu descanso de cada ano, sem suportar gastos astronômicos, bem como isentar-se do possível "sofrimento" e mesmo desagrado das reservas de hotéis ou mesmo possibilidade de nada encontrar para o merecido repouso, enfim, com dificuldades para um alojamento cômodo e saudável. A outra vantagem do sistema é que este tipo de co-propriedade também está localizado em cidades praianas, montanhas, estâncias hidrominerais ou termais, vindo, assim, cumprir parcialmente o preceito constitucional quanto à função social da propriedade, pois se utiliza de maneira completa de um bem, satisfazendo o interesse de uma multiplicidade de sujeitos.

2 – ESTRUTURA JURÍDICA

A multipropriedade é um direito sobre determinado imóvel, do tipo pro diviso (divisão de particulares), onde múltiplos proprietários, por distribuição do tempo, aproveita da coisa. Diz Gustavo Tepedino que, "através da multipropriedade imobiliária, diversos proprietários repartem o aproveitamento econômico de certo imóvel em turnos intercorrentes, normalmente semanas anuais, destinando-os discriminadamente a cada um dos titulares, com exclusividade e em caráter perpétuo, de tal sorte que a cada multiproprietário corresponda o direito de aproveitamento econômico de uma fração espaço-temporal, incidente sobre determinada unidade imobiliária em período certo do ano, sem o concurso dos demais." (Multipropriedade imobiliária, Saraiva, SP,1993, p. 3).

Assim, a faculdade de aproveitamento está por períodos e, conseqüentemente, cada co-proprietário tem limitação quanto ao seu exercício. No entanto, a faculdade jurídica de disposição da coisa, inerente ao direito de propriedade, os co-proprietários a possuem, podendo alienar, hipotecar e transmitir, apenas o direito de uso é que está limitado ao tempo reservado. Portanto, o caráter essencial da multipropriedade é a periodicidade no aproveitamento ou no exercício das faculdades dominiais.

No dizer de Jorge Rodrigues Perez e Antonio Diaz. "se o direito de propriedade se define como o poder mais amplo que o ordenamento permite sobre uma coisa, com conclusão, partindo da natureza mantida e as idéias se dá a seguinte definição de multipropriedade: direito de propriedade com múltiplos sujeitos sobre uma casa, cujo poder de cada um sobre a mesma se concretiza a um tempo correspondente a seu turno preestabelecido". Fica mais claro que este poder é traduzido no aproveitamento limitado ao tempo, dividindo-o com os demais, assim como o restante das faculdades se referem sempre ao tempo, em poder do tempo real.

3 – SUJEITOS

O sujeito do direito subjetivo é a pessoa a quem se atribui o poder de proprietário, podendo estar centralizado numa única pessoa ou várias delas. Como a multipropriedade é um tipo de co-propriedade, os sujeitos são os comproprietários, já que "multi" indica pluralidade e nesta colocação específica, dá-nos a informação de muito ou muitas vezes, a ensejar compreensão de "vários domínios" sobre um único imóvel.

4 – OBJETO

É o prédio sobre o qual recai o direito dos co-proprietários, com distribuição do tempo para seu aproveitamento. Tal prédio, objeto do direito de propriedade com vários titulares, em regime de multipropriedade, é imóvel por natureza e como tal tem qualificação jurídica na propriedade imóvel, apto, portanto, ao registro cartorário. Evidentemente, a multipropriedade imobiliária refere-se a prédio, tanto em regime horizontal como não, mas desde que sua utilização permaneça limitado ao tempo, não podendo conceber-se que os co-proprietários ali residam a título animus morandi, levando-se em conta que o domicílio é o lugar da residência habitual da pessoa enquanto meio principal para sua localização. Podemos até afirmar que este prédio não constitui um domicílio em sentido jurídico próprio, nos termos do art. 31 do Código Civil, mas e tão-somente, um domicílio passageiro. No entanto, se a pessoa natural for co-proprietário em várias multipropriedades, e nelas permanecer de maneira indefinida em respeito aos períodos estipulados em contrato de aquisição, o domicílio civil desse indivíduo poderia até ser considerado segundo os ditames dos arts. 32 a 34 do referido Código. Como se vê, a multipropriedade tem muitas peculiaridades pelo fato de ser entre nós um novel instituto, e várias poderão ser as interpretações.

5 – MODALIDADES

Existem várias modalidades de multipropriedade: clube, societária, hotelaria e imobiliária. Nestas breves linhas daremos mais ênfase à característica imobiliária por motivos óbvios. Neste sistema, os compradores adquirem conjuntamente uma determinada unidade para alojamento, dentro de um complexo específico, estabelecendo turnos para sua utilização ao longo do ano e cada adquirente tem direitos de possessão das diversas zonas desse mesmo complexo em que está localizada a unidade. Cada conjunto constitui-se em comunidades de proprietários relacionados entre si. Uma, que constitui e reúne todos os proprietários temporais de uma mesma unidade e outra que agrupa todos os proprietários do complexo.

O direito de ocupação de cada adquirente está restrito enquanto durar o direito de propriedade, pois, retirando-se através de alienação, evidentemente estará extinto o seu direito de ocupação e fora da co-propriedade.

6 – MULTIPROPRIEDADE COMO DIREITO PESSOAL

Não há como ver a multipropriedade como sendo um direito pessoal, por ser necessária maior proteção ao seu titular. Outorga-lhe, sim, um direito real que é a propriedade em si, porém, direito esse parcial ou fragmentado, face à limitação temporal quanto ao uso, de forma a lhe permitir a segurança jurídica pela aquisição do domínio e sustentado por instrumento público notarial passível a registro imobiliário. É inegável que os adquirentes, diante de uma situação que lhes permita a titularidade da propriedade, sintam-se muito mais atraídos a esse tipo de investimento, pois, o lazer garantido por um título de domínio, recebido através de escritura pública, caracteriza maior segurança para os investidores, como simples pacto entre titulares de quotas indivisas de um imóvel, a exemplo de um apartamento pelo regime de propriedade horizontal. A propriedade espaço temporal nasce quando várias pessoas se unem e adquirem um imóvel pro indiviso, pactuando entre si os períodos em que cada um irá utilizar. Quando um mesmo direito subjetivo corresponde a vários sujeitos, deparamo-nos com a titularidade múltipla ou co-titularidade e conhecida como co-propriedade, condomínio ou indivisão. No entanto, este sistema de divisão de tempo para fruição poderá apresentar alguns inconvenientes:

1º) ser considerado sem eficácia real e, consequentemente, impossibilidade de ingresso no registro predial;

2º) possibilidade de requerimento de dissolução condominial por qualquer dos co-participantes, ocorrendo a venda judicial;

3º) obrigatoriedade de oferecimento aos demais co-proprietários nos casos de pretensão de venda.

Como modelo societário, a instituição da multipropriedade encontra vários problemas que surgiriam como em qualquer tipo de sociedade, como, por exemplo, o sócio majoritário em escolher o melhor período de utilização, isto sem contar com a finalidade de toda sociedade comercial, cujo objetivo é caracterizado pelo caráter lucrativo, o que não é existente na multipropriedade imobiliária.

7 – MULTIPROPRIEDADE COMO DIREITO REAL

Os direitos reais caracterizam-se pelo seu imediatismo e absolutismo frente aos direitos pessoais, que são mediatos e relativos e, ademais, aqueles possuem amparo no registro predial, enquanto, a estes, tal procedimento é vedado.

Por princípio, a essência da multipropriedade é a outorga de um direito de gozo ou fruição de um bem durante determinado período de cada ano. Desta forma, possível seu enquadramento nos limites dos direitos reais limitados ou restritos e sendo regulado à feição – reitera-se, apenas com aparência – do usufruto ou direito de habitação sem com eles se confundir, Se assim fosse, isto conferiria aos multiproprietários apenas o exercício pessoal desse direito, em confronto direto aos princípios que regem os direitos reais. Se colocado por esse prisma, sob ponto de vista comercial, também seria difícil um sucesso empresarial, pois os investidores procuram uma segurança jurídica quando o assunto é direito patrimonial. Ainda mais, por esse modo de conferir a multipropriedade alguns obstáculos poderão surgir:

1º) tachando-a de usufruto, pela natureza jurídica impediria sua transmissibilidade, pois o usufruto se extingue com a morte do usufrutuário. Poderiam, sim, ser cedidos os direitos de usufrutuário, o que não coaduna com o espírito da multipropriedade imobiliária.

2º) tratando-a como direito de habitação, este por ter natureza temporal e gratuita, intransmissibilidade e total impossibilidade de hipoteca.

Qualquer que seja a opinião a respeito dos problemas enunciados, não cabe duvidar que, na prática, a solução caracterizadora para a multipropriedade, como direito real limitado, restringindo-o, resulta-se como excepcional. A multipropriedade nasceu com vocação dominial, de plenitude e absoluto direito de disposição.

Se fosse tratada como propriedade dividida ou partilhada, também a tendência é pela negativa, pois não existe previsão legal para introduzi-la dessa forma, uma vez que a propriedade dividida tem origem germânica e surgiu para explicar a natureza jurídica de situações comunitárias que recaem sobre o mesmo objeto material, o que implica em uma propriedade de quotas.

8 – REQUISITOS DA MULTIPROPRIEDADE

A multipropriedade, por definição, caracteriza-se por haver pluralidade de sujeitos, unidade de objeto, identidade quantitativa de cada titularidade. O mais importante é que os direitos dos pluriproprietários recaiam sobre a totalidade do imóvel, devendo estes ser quantitativamente semelhantes, uma vez que todos os titulares gozam das mesmas faculdades de uso, gozo e disposição.

9 – PERPETUIDADE DO DOMÍNIO

Pelo fato da multipropriedade constituir-se numa forma especial e inovadora de propriedade imóvel, a especialidade está envolta por características muito especiais e resulta do papel preponderante "tempo" para seu funcionamento. A especialidade, frente à propriedade tradicional, modaliza, dá outra feição à multipropriedade, pelo fato de seu titular poder exercer o seu direito exclusivamente durante o período pelo qual adquiriu o exercício temporário. Surge então a questão: esta temporariedade afeta unicamente o simples exercício do direito, este permanece em estado latente, subentendido, durante o período em que não pode exercitá-lo; ou, ao contrário, esta temporariedade afeta a existência do direito do multiproprietário, cuja titularidade nasceria e morreria, começa e finaliza quanto ao período a ele reservado como titular. Indubitavelmente, a multipropriedade se apresenta como um fenômeno da realidade social de difícil qualificação jurídica e à exegese cabe a tarefa de desmistificação. Tanto assim o é, que Tepedino cita ainda a abalizada palavra da lavra de Orlando Gomes (Sobre a Multipropriedade) quanto à questão: "sem natureza definida e sem lei específica, a multipropriedade reclama atenção especial dos juristas, particularmente dos conselheiros" (id. pág. 49, n. 99)

10 – DA AQUISIÇÃO DA MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA

Para aquisição desta quota temporal, necessária a forma especial prevista no artigo 134 do Código Civil, exigindo-se a instrumentalização pública. Nesse momento, a figura do notário é de capital importância, para com sua imparcialidade e juízo da legalidade, esclarecer ao adquirente a forma peculiar de propriedade que está adquirindo, procurando, ao documentar o ato jurídico, enquadrá-lo segundo normas e preceitos legalmente estipulados.

11 – PUBLICIDADE REGISTRAL

Como sabemos, a publicidade registral tem como finalidade a proteção do tráfico jurídico, agilizando as negociações imobiliárias e protegendo a titularidade dos direitos. Este princípio assegura a oposição a terceiros interessados e tem por meta tornar pública – erga omnes – a aquisição do imóvel, uma vez que todos os registros (com algumas e poucas restrições), obrigatoriamente, deverão estar acessíveis e ao alcance de todos. O registro da propriedade, por ser fundamental à segurança jurídica, portanto, atende não só ao interesse do titular dos direitos, mas, também, do terceiro com quem aquele contrata.

12 – CONCLUSÃO

Crê-se que a grande dificuldade para uma regulamentação deste novo tipo de direito de propriedade, a qual seria melhor qualificada como co-propriedade atípica, pelo menos neste momento, reside justamente no fato de ainda não estar precisamente detalhada na Lei dos Registros Públicos, aliás, como afirmamos na obra Dicionário–Direito Imobiliário e Afins, "induvidosamente, momento altamente propício para uma reformulação, revisão ou emendas à lei sobre incorporações e condomínios (a Lei nº 4.591 é de 1964 e, dessa quadra, até nossos dias, pouquíssimas, raríssimas inserções foram efetivadas, frente à evolução ocorrida em nossa sociedade) e não apenas sobre este tópico – multipropriedade imobiliária –, mas e principalmente, sob as responsabilidades civis e criminais, inclusão na lei de garantias reais sob caução à época do lançamento imobiliário sob rígida supervisão do Ministério Público – fiscal da lei –, obrigatoriedade (sob responsabilidade) dos senhores proprietários de jornais, revistas e afins, do envio ao Órgão Ministerial de relação nominal e respectivas identificações, quando da divulgação publicitária do empreendimento, enfim, um reestudo (também sugerido pelo "pai" da matéria, Caio Mário da Silva Pereira) garantindo a sua realização, notadamente nova redação dos arts. 29 a 31 dessa lei, aliás, consenso praticamente generalizado entre os estudiosos e "operários" do direito imobiliário."

Felizmente a jurisprudência e doutrina admitem que novos sistemas negociais sejam criados, desde que sigam o sistema de numerus clausus, enquanto impossível o surgimento de novos tipos de direitos reais.

Carente de regulamentação legal, o nascimento, aquisição e disciplina da multipropriedade, será através de um ato de vontade e há de ser forçosamente convencionado, estando justamente nesse ponto a decisiva intervenção notarial, uma vez que ainda está sem regras perante o Direito Positivo. ‘Procela’ à vista, ou se já não está acontecendo. Seria um misto entre condomínio especial (Lei 4.591/64) e condomínio ordinário regido pelo Código Civil? Já existe um aparato legal ‘especificamente’ projetado? Ou estão sendo feitas algumas adaptações? São perguntas encontradiças pelos corredores de alguns escritórios."’

Temos que, a princípio, deverá ser regulamentado conforme o previsto no Código Civil quanto ao condomínio comum, com regras de convivência adotadas especificamente. O mais importante é que a segurança jurídica aos adquirentes seja uma constante em todas as ações de criação de novos tipos de direitos reais, pois, acomodar-se provisoriamente nesse campo, poderá dar margem a centenas de novas ações perante o judiciário. E isto, em sã consciência, ninguém deseja.

(Afonso Celso F. de Rezende, advogado e co-autor da obra A Prática nos Processos e Registro de Incorporação Imobiliária, Instituição de Condomínio e Loteamentos Urbanos, Copola Livros, Campinas/SP).

Fonte: Escritório Online


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